A “larga maioria” dos grupos empresariais portugueses de raiz familiar demonstra “grande maturidade” na gestão da relação entre acionistas e na família, mas apresenta problemas de comunicação, valores e envolvimento que podem ameaçar a sucessão geracional, conclui um estudo.
“A maior parte dos grupos inquiridos evidencia problemas nas práticas de gestão e de relação no seio da base acionista, aos quais não é dada a devida importância – parece não haver consciência do risco implícito desses problemas sobre o crescimento e valorização do negócio e sobre a própria sustentabilidade do controlo familiar do grupo”, aponta o estudo, realizado no final de 2021 pela ARBORIS, um escritório especializado no aconselhamento de grandes grupos familiares.
O trabalho tem por base o primeiro de três inquéritos – dedicado ao tema ‘A Família Acionista e a sua Relação com o Negócio’ – no qual participaram representantes de mais de 30 dos cerca de 40 maiores grupos empresariais portugueses de raiz familiar, com EBITDA (resultado ajustado antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) superior a 30 milhões de euros e um volume de negócios total superior a 12.000 milhões de euros.
Em declarações à agência Lusa, um dos ‘managing partners’ da ARBORIS, João Rodrigues Pena, salientou que existe “uma grande maturidade” por parte dos líderes destes grandes grupos empresariais de raiz familiar, que “estão a fazer um ótimo trabalho” e com “a visão correta”.
O estudo permitiu constatar, por exemplo, que “a velha noção de ‘dinastia’ nas empresas familiares nacionais é um mito”: Oitenta por cento dos acionistas inquiridos consideram que o presidente executivo (CEO) deverá ser o que melhores condições demonstrar para desenvolver o negócio e criar valor, seja ou não membro da família.
Na mesma linha, mais de metade (53,3%) dos inquiridos confirmou que existe uma clara separação de poderes entre o corpo acionista e a gestão executiva do negócio (apenas 6,7% referiu que esta separação formal não existe).
No entanto, salienta a ARBORIS, “tal não significa que as famílias não se envolvam ativamente na definição e decisão das opções estratégicas de negócio – três em cada quatro inquiridos consideram que existe uma intervenção ‘razoável’ a ‘muito intensa’ – o que é notável”.
Ainda assim, João Rodrigues Pena admitiu estar “muito preocupado, a médio longo prazo, com a próxima geração” destes grandes grupos de raiz familiar.
“A grande preocupação é a próxima geração, que está a trabalhar e a fazer carreira lá fora e não está a preocupar-se suficientemente com aquilo que se vive aqui. Esta ‘next gen’ não está, em geral, estimulada para dar sequência à próxima geração”, disse.
Segundo o outro ‘managing partner’ da ARBORIS, José Paulo Rodrigues, “as próximas gerações têm grandes reservas [em regressar a Portugal] porque falta uma participação muito mais próxima da empresa [por parte] da família”, sendo que isto acontece “porque não há protocolos e não há comunicação” interna.
“Tem de haver sedução [das próximas gerações] e nunca houve sedução até agora. E este é um problema que é não só dos grupos familiares portugueses, é um problema de todo o tecido empresarial português: não há sedução do talento jovem”, sustentam.
Entre os principais “problemas” detetados pela ARBORIS nas grandes empresas familiares nacionais está a “incapacidade de alinhar valores e princípios no seio da base acionista”, sendo este constrangimento “pior ainda quando se considera a família no seu todo”: Neste caso, “valores e princípios não passam, em muitos casos, de conceitos vazios”, refere.
Outras “fragilidades” evidenciadas são a “falta de qualidade de comunicação no seio do núcleo acionista”, a “inexistência de qualquer envolvimento da família na definição e decisão das opções estratégicas de negócio” (em quase um quarto dos grupos inquiridos) e a “presença expressiva de acionistas inativos, com uma clara falta de consciência para os problemas e riscos associados”.
Na experiência da ARBORIS, estes acionistas inativos “não têm informação, não participam ativamente em reuniões de qualidade com a gestão e pouco ou nada contribuem para o futuro do grupo”, pelo que, “pelos riscos que tal coloca à perenidade da família e à coesão entre os membros de gerações vindouras, devem ser integrados ou afastados”.
Ainda assim, a consultora aponta como “muito positiva” a constatação que, “na maior parte dos grupos, os acionistas sentem que ainda têm trabalho pela frente para se sentirem confortáveis com o legado que vão deixar à próxima geração”.
Algo que, sustenta, “evidencia um grau superior de exigência e ambição com a valorização do negócio” e “reflete o superior empenho em preparar a próxima geração para que ela seja capaz de gerar um legado ainda maior do que aquele que vai receber”.
De referir ainda a perceção, “para a esmagadora maioria dos inquiridos”, de que o caráter familiar de um grupo empresarial “tem vantagens claras” face a empresas de capital aberto, em particular na capacidade de “assegurar uma visão de negócio consistente no longo prazo, sem pressão de curto prazo para a obtenção de resultados”, nomeadamente dividendos.
Para colmatar as “deficiências” na relação da família acionista no seu seio e desta com a gestão do negócio, a consultora destaca a importância de instrumentos como o ‘protocolo de família’ e de órgãos próprios de governo acionista, como um ‘conselho de família’.
A assinar por todos os membros, o ‘protocolo de família’ deve ser “exaustivo e atualizado” e determinar “em detalhe todas as regras e mecanismos de gestão de matérias da família e de matérias do negócio pelos acionistas e seus descendentes de sangue”.
Já ao ‘conselho de família’ caberá “assegurar o cumprimento das regras do protocolo e aplicar sanções, se elas não forem cumpridas”.
Para complementar este estudo sobre os maiores grupos empresariais portugueses de raiz familiar, a ARBORIS está agora a preparar o lançamento de dois inquéritos adicionais: Um sobre “A Gestão da Geração Vindoura e a Sucessão para Cargos Executivos de Topo”, a efetuar em abril, e outro sobre “O Modelo Formal de Gestão da Base Acionista”, previsto para setembro.
A intenção da consultora é, depois, passar a desenvolver os três inquéritos periodicamente – uma vez por ano ou a cada dois anos, e na mesma altura – de forma a analisar a evolução histórica desta “perspetiva holística” dos maiores grupos familiares portugueses, construída sobre a opinião dos seus próprios líderes.
Fonte: EXECUTIVE DIGEST / LUSA