Há três meses os efeitos de anos da pandemia ainda se faziam sentir nas empresas.

Apesar de muitas terem registado um primeiro trimestre animador, as disrupções e aumentos de custo da logística à escala mundial continuaram a danificar margens e a dificultar quer a importação de bens de produção, quer a exportação de produto final.

Mas a situação geria-se, até chegar a invasão da Ucrânia. Dispara o custo de energia, desaparecem do mapa matérias-primas essenciais, fecha o acesso a mercados de peso, a crise agrava-se a sério. Em reação a estas adversidades, vemos as empresas a focarem-se em lançar para cima desta crise o clássico manual tático de defesa de margens com as medidas do costume, com mais do mesmo.

De facto, temos testemunhado in loco ao longo das últimas semanas a forma como muitas reputadas empresas estão a cair neste clássico “modo de crise”, focado nas soluções de sempre: evitar aumentar preços ou reduzir portfolio para não perder vendas e proteger a margem dissecando e colocando em causa cada custo operacional ao parafuso.

Salvo raras exceções, como estas empresas são bem geridas e já passaram por crises recentes, os aumentos de eficiência adicionais já são marginais. Exceto no caso de mais despedimentos, mas isso exige muito cuidado para que a capacidade e as competências necessárias se mantenham quando a situação se normalizar - e é inevitável que se normalize. 

Há uma tendência quase irresistível de agir por impulso, de lutar com a mesma fisga de sempre contra um paradigma adverso muito mais forte e perigoso. Mas há alternativas? Sim. Atacar com visão, com lucidez e com coragem.

Há que pensar mais e melhor antes de agir, questionar aspetos fundamentais da estrutura do modelo da empresa e da estratégia do negócio, criar uma perspetiva de longo prazo distintiva e persegui-la.

As políticas de produto, de mercado e de processo podem e devem ser repensadas à luz das melhores práticas e podem mesmo, como tantas vezes empresas nacionais já o fizeram, assumirem-se com as novas melhores práticas através de modelos de negócios, soluções industriais ou produtos inovadores. 

Onde esta tendência de aplicar hoje o “manual de crise” do costume é mais difícil de entender e se pode cair, a nosso ver, num erro perigoso e numa oportunidade perdida é nos maiores grupos empresariais de raiz familiar. O foco e a atenção da alta direção, em particular dos acionistas executivos, deixa de ter o equilíbrio virtuoso entre curto e longo prazo tão distintivo destes grupos face às empresas em geral.

O longo prazo é colocado numa gaveta, o casaco é pendurado nas costas da cadeira, arregaçam-se as mangas e mergulha-se numa espécie de “modo de sobrevivência” com uma intensidade que a situação, bem vistas as coisas, raramente justifica. A gestão deixa de olhar para as melhores práticas externas ou para as oportunidades de capitalizar nas inovações que continuam a surgir a um ritmo brutal e que até podem ter benefícios no combate à crise bem superiores aos da atitude clássica da fisga.

Esquecem-se as novas oportunidades que vão surgir depois da crise, deixa de haver um esforço de preparação estrutural para sair da crise mais forte do que os concorrentes. 

Neste contexto, tal como a experiência e estudos da ARBORIS demonstram, há um paradoxo particularmente grave: a maioria das organizações empresariais portuguesas de raiz familiar apresentam défices muito sérios na gestão e governação do foro acionista, fortemente inibidores da competitividade e estabilidade futura dos seus negócios.

A Atual Crise

São muitos os casos de falta de coesão acionista nos princípios, nos valores e na estratégia, de falta de uma profunda comunhão de interesses e de confiança entre acionistas e gestão ou de falta de soluções de envolvimento e preparação das gerações mais novas. A atual crise constitui uma excelente oportunidade para galvanizar a base acionista das empresas de raiz familiar, fortalecer a liderança através da preparação dos instrumentos básicos de gestão da dimensão acionista e criar bases sólidas para a preservação do negócio e do seu controlo pela base acionista familiar para as próximas gerações.

No entanto, a atitude prevalecente da maior parte das empresas é considerar que não se tratam de assuntos prioritários por não contribuírem para o tal paradigma de “defesa da crise” e, portanto, vão fazer companhia a outros assuntos chave de longo prazo numa outra gaveta. 

Este pensamento é tremendamente falacioso e naturalmente perigoso. Um estudo recente de empresas de raiz familiar em vários países europeus mostra que o modelo acionista e a sua relação com o negócio é o fator mais importante para a rentabilidade a curto e longo prazo.

Simplesmente porque esse modelo determina todos os atributos próprios da empresa e assegura uma clareza homogénea de visão e ambição que sustenta a unidade entre acionistas, gestão e trabalhadores e a vivência real por todos dos valores básicos de uma empresa estruturalmente saudável e rentável – empenho, prazer no trabalho, iniciativa e capacidade de liderança, respeito pela empresa e por cada colega... Abundantes exemplos demonstram que é tão simples como parece.

Haja visão, lucidez e coragem para fazer diferente. 

Como sempre, atrás desta nova crise virão oportunidades. E a gestão das empresas tem de ter a lucidez de não se deixar mergulhar no “modo de sobrevivência” da busca de soluções táticas, com efeito marginal e potencialmente nefastas a longo prazo.

O explorar das alavancas para fortalecer estruturalmente a empresa, a superação dos deficits do modelo de gestão acionista e das suas implicações no governo e na gestão da empresa e o investimento na preparação da próxima geração.

Esta sim é a atitude certa para enfrentar a nova crise. 

 


Fonte: Jornal de Negócios