Roy Logan construiu um império bilionário em telecomunicações e media.

Está na casa dos setenta e acha que chegou a altura de se reformar. Tem quatro filhos, todos na casa dos quarenta anos e todos com a ambição de lhe suceder.

Ambição que ele alimenta de forma sórdida prometendo a cada um, em diferentes momentos, que é ele (ou ela, a filha) o escolhido.

Abre-se uma guerra entre todos, agravada por Roy nunca deixar de se manter à frente da gestão executiva do seu Grupo e tomar todas as decisões sozinho. Em contraste com uma vida de grande opulência, a segunda geração da Família Logan acaba por se resumir a um conjunto de personalidades frustradas, perdidas e altamente disfuncionais, sem as condições mínimas para assumir o lugar do Pai. Roy parece retirar um tremendo gozo colocando os filhos uns contra os outros, mas entende-se que no fundo ele sabe que falhou em garantir a preservação do seu império – simplesmente porque foi incapaz de escolher e preparar um sucessor à altura. Roy e a sua família são os protagonistas da série da HBO “Succession”.

Não obstante o enredo assentar em larga medida num ‘script’ notável e na riqueza da disfuncionalidade de cada personagem e não obstante estarmos a falar de uma série de ficção, o autor escolheu um tema que acaba por colocar a nu o maior de todos os riscos de qualquer grupo de raiz familiar: uma Sucessão falhada.

Ao longo de décadas de estudo da dinâmica de grupos de raiz familiar e de assessorar, ao mais alto nível, vários grupos familiares de dimensão, fomos testemunhando, através de vários sucessos, mas também um número invulgar de fracassos, alguns bem conhecidos, a importância da gestão do processo de Sucessão do líder. Ainda hoje, na maioria dos casos, não há ideias claras, mas antes falsas certezas, angústia e sobretudo muitas perguntas sem resposta:

  • Quem tenho com potencial na geração seguinte e como devo prepará-lo ou prepará-los?
  • Quando e de que forma os devo entusiasmar e preparar para serem candidatos motivados quando a altura de agarrar o leme chegar?
  • E como devo gerir a transição?
  • E como envolver os meus colegas acionistas da Família (se for o caso) para os ter ao meu lado neste processo?
  • Devo abrir a oportunidade a membros da Família ‘non-bloodline’ – um enteado, uma cunhada …?
  • E se não tenho ninguém com potencial na Família ou eu quero deixar o lugar de CEO e ainda são muito novos, em que condições posso fazer passar o Grupo com sucesso por uma fase de transição com um CEO profissional?
  • E que perfil e características deve ter esse CEO, tenho alguém com condições já no Grupo ou tenho de o ir buscar fora?

A realidade é dura – em Portugal como noutros países, há demasiados processos de sucessão que não são bem preparados nem bem geridos. E o falhanço pode ter resultados graves

Todos recordamos casos de grupos nacionais em que o líder escolhe como sucessor um filho que não está à altura para depois, já com o negócio a sofrer, afastar esse filho e passar o leme a um outro filho, um sobrinho ou um neto. Isto não é fácil para nenhum líder. Muito menos quando se trata do seu filho …Em larga medida estas situações são evitáveis, mas exigem dedicação, disciplina e perseverança,

o líder e a Família têm de passar a encarar a Sucessão como um tema vital para o Grupo

Têm de definir soluções potenciais com bastante antecedência (pelo menos 10 anos) e têm de colocar em marcha e gerir ao detalhe ao longo de todo esse tempo os processos de comunicação, de preparação e, já no final, de transição da liderança.

São processos difíceis e delicados, mas facilitados pela assessoria de personalidades externas de confiança dos Acionistas e com experiência nesta matéria. Este apoio de fora reforça o ‘momentum’ e a segurança do processo e aporta uma visão externa profissional e independente que pode ser crucial em vários momentos – no ‘assessment‘ de potenciais candidatos internos, no aconselhamento de programas de preparação de carreira para os candidatos ou simplesmente em garantir que a discussão no seio da Família permanece objetiva, o que é por si só um desafio tremendo quando estamos a colocar lado a lado filhos ou filhas com pais acionistas.

Na prática, um bom processo de Sucessão para candidatos internos parte de um programa bem definido no tempo e consensualizado no seio da base acionista familiar, da identificação e ‘assessment’ de potenciais candidatos, de estágios no Grupo com bons mentores, de uma educação universitária ao mais alto nível possível e de um plano de carreira construído fora do Grupo em empresas de referência mundial em domínios relevantes para o Grupo. Segue-se uma etapa de carreira no Grupo já em posições executivas e, caso as provas dadas ao longo da carreira sejam convincentes, iniciar o ‘coaching’ prévio à fase de transição – que pode naturalmente demorar anos.

É um fato assumido que, em Portugal como na generalidade do mundo ocidental, os grupos de raiz familiar com dimensão são o principal pilar da Economia.

Se o êxito de qualquer empresa passa pela qualidade da sua liderança (visão, gestão de risco, capacidade de mobilização …), a Sucessão passa a ser um fator determinante para o crescimento económico do País e tudo deve ser feito para que este assunto seja levado muito a sério assegurando programas atempados, rigorosos, detalhados e perseguidos com tenacidade até ao momento de transição.

Por egocentrismo e até narcisismo, Roy Logan nunca se preocupou com o dia em que já não estivesse em condições de gerir o seu negócio. A série ainda não acabou (a 3ª temporada estreia em breve) mas não é difícil adivinhar que nem a Família nem o Negócio vão acabar bem.

 

João Rodrigues Pena, Founder & Managing Partner da ARBORIS

 
 

Fonte: PRÉMIO